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Tema 1046 do STF: o que significa a prevalência do negociado sobre o legislado?
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão sobre o tema 1046: decidiu, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE), que os acordos e convenções coletivas de trabalho podem limitar ou afastar direitos trabalhistas assegurados constitucionalmente, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
Essa decisão, que ficou conhecida como “prevalência do negociado sobre o legislado”, representou uma mudança significativa na jurisprudência do STF e no ordenamento jurídico brasileiro.
O que significa a prevalência do negociado sobre o legislado?
A prevalência do negociado sobre o legislado significa que, em caso de conflito entre uma norma coletiva de trabalho e uma norma legal, a norma coletiva terá prevalência.
Essa prevalência não é absoluta, pois existem limites constitucionais que devem ser respeitados. Os direitos trabalhistas que não podem ser negociados, ou seja, os direitos absolutamente indisponíveis, são aqueles que estão previstos na Constituição Federal e que são considerados essenciais para a proteção do trabalhador.
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Tema 1046: fundamentos constitucionais
A prevalência do negociado sobre o legislado, tema 1046, encontra fundamento na Constituição Federal, nos seguintes princípios:
- Princípio da autonomia privada: é o direito das pessoas, físicas ou jurídicas, de celebrar contratos e acordos, de acordo com suas próprias vontades. No Direito do Trabalho, esse princípio é aplicado à negociação coletiva, que é um processo de negociação entre representantes dos trabalhadores e dos empregadores, com o objetivo de estabelecer normas coletivas de trabalho.
- Princípio da negociação coletiva: é o direito dos trabalhadores e dos empregadores de negociarem livremente as condições de trabalho, dentro dos limites legais. Esse princípio é previsto no artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, que reconhece as convenções e acordos coletivos de trabalho como parte integrante dos direitos dos trabalhadores.
- Princípio da livre iniciativa: é o direito dos indivíduos de desenvolverem atividades econômicas de acordo com suas próprias vontades. No Direito do Trabalho, esse princípio é aplicado à autonomia das empresas de organizarem sua estrutura e seu funcionamento, dentro dos limites legais.
Tema 1046: defesa x oposição
Os defensores da prevalência argumentam que essa medida é necessária para fortalecer a negociação coletiva e promover a autonomia das partes envolvidas. Eles afirmam que, ao permitir que os trabalhadores e os empregadores negociem livremente as condições de trabalho, a prevalência do negociado sobre o legislado contribui para a melhoria das relações trabalhistas e para o desenvolvimento da economia.
Já para os opositores da decisão em cima do tema 1046 o argumento é outro. Na visão desse grupo, essa medida pode colocar em risco os direitos dos trabalhadores. Eles afirmam que, ao permitir que os empregadores negociem a redução ou a supressão de direitos trabalhistas, a prevalência do negociado sobre o legislado pode levar a uma precarização das relações trabalhistas.
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Limites da prevalência do negociado sobre o legislado
É necessário entender também que a prevalência do negociado sobre o legislado não é absoluta, pois existem limites constitucionais que devem ser respeitados. Esses limites são:
- Os direitos absolutamente indisponíveis: são aqueles que não podem ser negociados, pois são considerados essenciais para a proteção do trabalhador. Os direitos absolutamente indisponíveis são aqueles que estão previstos na Constituição Federal, como a saúde, a segurança, a educação, o salário-mínimo e a jornada de trabalho de 8 horas diárias.
- A adequação setorial negociada: é a possibilidade de os sindicatos e as empresas negociarem regras específicas para um determinado setor econômico, desde que essas regras não sejam contrárias aos direitos absolutamente indisponíveis e ao princípio da isonomia.
Tema 1046: quando realmente pode acontecer?
A prevalência pode ser utilizada:
Como vimos anteriormente, a prevalência é possível em situações em que as normas coletivas de trabalho não contrariam os direitos absolutamente indisponíveis e o princípio da isonomia.
Para demonstrar, vamos citar exemplos práticos de situações em que a prevalência é possível:
- A negociação de um salário superior ao salário-mínimo legal;
- A negociação de um intervalo intrajornada superior ou inferior a 1 hora;
- A negociação de um regime de compensação de jornada;
- A negociação de um plano de saúde complementar.
A prevalência não pode ser utilizada:
Levando em consideração os cenários que favorecem a prevalência do negociado sobre o legislado, fica claro que a decisão feita em cima do tema 1046 não é cabível em situações em que as normas coletivas de trabalho contrariam os direitos absolutamente indisponíveis.
Alguns exemplos são:
- Submeter o trabalhar a situações insalubres e sem a devida proteção;
- Não respeitar o salário-mínimo como piso salarial para o colaborador e negociar um valor abaixo.
Tema 1046: implicações sobre os cálculos trabalhistas
Entendemos então que a decisão do STF sobre a prevalência do negociado sobre o legislado, no julgamento do Recurso Extraordinário, representa uma mudança significativa no ordenamento jurídico brasileiro, com implicações diretas para os cálculos judiciais trabalhistas.
Antes dessa decisão, as normas coletivas de trabalho só tinham prevalência sobre as leis trabalhistas quando estavam ambas de acordo. Com a prevalência do negociado sobre o legislado, as normas coletivas passam a ter prevalência sobre as leis trabalhistas, o que lhe permite mais flexibilidade na hora de decidir quais normas serão aplicadas ao regime do colaborador.
Essa mudança pode ter um impacto significativo nos cálculos judiciais trabalhistas, pois exige uma adaptação por parte de quem realiza esses cálculos. Isso ocorre porque as normas coletivas de trabalho podem prever limites ou afastamentos de direitos trabalhistas, que podem resultar em uma redução da remuneração do trabalhador, da jornada de trabalho, das férias, dos feriados, dos adicionais e etc.
Para as empresas, essa mudança representa um desafio, pois elas precisam estar atentas às normas coletivas de trabalho aplicáveis aos seus empregados. Isso porque, dependendo das normas coletivas aplicáveis, os cálculos judiciais trabalhistas podem ser diferentes.
Portanto, é importante que as empresas tenham em mente que as regras para os cálculos judiciais trabalhistas podem mudar de organização para organização, dependendo das normas coletivas aplicáveis. Além disso, os cálculos, além de corresponder para a situação que acontece com a empresa em questão, também precisam ser feitos por profissionais que entendem as particularidades de cada situação.
Aqui estão algumas dicas para as empresas que desejam se preparar para os impactos da prevalência do negociado sobre o legislado:
- Faça uma análise das normas coletivas aplicáveis aos seus empregados;
- Esteja preparado para a possibilidade de redução dos valores das verbas trabalhistas devidas aos trabalhadores;
- Conte com um parceiro que oferece expertise em cálculos judiciais trabalhistas para realizar os cálculos de forma correta e precisa.
O que podemos tirar dessa mudança:
A decisão feita pelo Supremo Tribunal Federal em 2023, em cima do tema 1046, foi decisivo para estabelecer a prevalência do negociado sobre o legislado. Essa mudança na jurisprudência representou uma transformação significativa no ordenamento jurídico brasileiro, conferindo maior autonomia às partes envolvidas nas negociações coletivas de trabalho.
A decisão foi fundamentada nos princípios constitucionais da autonomia privada, negociação coletiva e livre iniciativa, proporcionando flexibilidade na definição das condições laborais. No entanto, essa autonomia não é ilimitada, sendo balizada por direitos absolutamente indisponíveis, essenciais para a proteção do trabalhador.
A defesa e a oposição em relação à prevalência do negociado sobre o legislado refletem um debate acalorado. Enquanto os defensores enxergam na medida uma oportunidade de fortalecer a negociação coletiva e fomentar a autonomia das partes, os opositores alertam para os riscos de precarização das relações trabalhistas, com possível redução de direitos.
A decisão do STF estabelece limites claros, como a intocabilidade dos direitos absolutamente indisponíveis e a possibilidade de adequação setorial negociada, oferecendo uma margem delimitada para a flexibilidade nas negociações.
Um ponto que devemos dar destaque é que, com essa mudança, é sempre importante juntar ao processo os acordos coletivos que definem essas alterações de direitos, para que haja uma comprovação e respaldo de sua aplicação.
As implicações da prevalência do negociado sobre o legislado transcendem as esferas jurídicas, afetando diretamente os cálculos judiciais trabalhistas. Com normas coletivas ganhando precedência sobre as leis trabalhistas, há uma demanda por adaptação por parte das empresas e profissionais responsáveis pelos cálculos.
A flexibilidade conferida às normas coletivas pode resultar em variações nos cálculos, exigindo que as empresas estejam atentas às normas aplicáveis aos seus empregados. Diante desse cenário, é crucial que as organizações se preparem para os impactos, realizando análises detalhadas das normas coletivas, antecipando possíveis reduções de valores trabalhistas e contando com parcerias especializadas para garantir cálculos precisos e conformes com a legislação vigente.
Em suma, a prevalência do negociado sobre o legislado instaura uma nova dinâmica nas relações de trabalho, demandando uma abordagem estratégica e cuidadosa por parte das empresas para se adaptarem a essa mudança paradigmática.